quinta-feira, 3 de março de 2016

Sonhos de ontem e de hoje

Olhar para trás e relembrar os anseios de nossos antepassados é também um ótimo combustível para os próprios desejos

Lucas Tauil de Freitas



Ontem, Júlia, minha filha caçula, voltou da escola com a tarefa de ouvir as narrativas de seus ancestrais. Sentamos juntos no sofá e contei a ela um pouco de nossa curta história de migrantes pobres vindos para o Brasil de Portugal, Espanha, Itália e Líbano. A partir da minha menina não sei mais do que cinco gerações. A história que mais a tocou é também a que sai do meu peito com mais força. Minha avó, Marina de Carvalho Tauil, cresceu na pequena cidade de Caçapava, no interior de São Paulo. Era filha de Cristo e Maria. Em um tempo no qual a mulher existia apenas para criar os filhos e cuidar da casa, Marina sonhou em estudar. Seu pai, um homem sensível e carinhoso, a apoiou em sua paixão até que um ataque do coração o levou. Quando isso aconteceu, ela tinha apenas 10 anos. A menina, que foi chacoalhada pela cena do pai que tombou à sua frente, logo levantou e sacudiu a dor, apenas para descobrir outra. Quando disse à mãe que ia voltar à escola, escutou que a família não tinha como pagar por seus estudos. Ali nascia a obstinação que meu bi savô plantou nela e, de certa forma, em mim. Acredito que é essa mesma obstinação que, hoje, me mantém vivo neste mundo de poucos sonhos e muitas coisas. Minha avó Marina procurou, então, o professor da escola e ouviu dele que quem ensina 12, ensina 13. Sua jornada foi marcada pela humildade de saber pedir ajuda e de fazer valer as oportunidades que a vida lhe deu. Concluiu o magistério e, depois, a faculdade de contabilidade. E, em meados do século passado, foi uma das primeiras mulheres a ter um alto cargo no tesourinho, atual imposto de renda. Seus três filhos também foram para a universidade. O mais velho se formou médico. É cardiologista e cuida do mal que levou seu avô e um tanto dos seus tios. O Patau, como o chamamos, é um atleta de 60 anos, não bebe, não fuma e vai atrás do que a vida tem de melhor, nossas famílias e amigos. Júlia, minha pequena, ficou com os olhos molhados e aprendeu a sentir-se parte de algo maior do que ela. E eu me lembrei do barro com o qual fui amassado. Minha mania de sonhar vem de longa data. Lá do bisavô Cristo. Hoje acordei em terra, longe do veleiro que nos últimos 13 anos foi a nave dos meus sonhos e que abrigou minha família em uma jornada de descobertas em torno de meio planeta. Estava feliz e com novos sonhos. Passei duas horas em frente ao computador com um amigo que, acredito, pode ser um dos meus parceiros na nova jornada à minha frente: sonho em mapear caminhos para que este planeta lindo, que conheci com minha família a bordo do veleiro Santa Paz, sobreviva à ganância e a estupidez da jovem humanidade. Nossa conversa gira em torno de um projeto de economia colaborativa e de compartilhamento de recursos. Sonhamos com um sistema de direito de uso de bens e produtos ao invés do atual modelo apoiado na posse. Saí do encontro revigorado, sem o cansaço que a tela do computador costuma dar. Acredito que podemos sonhar e viver nossa mais ousada imaginação. Vem comigo!

LUCAS TAUIL DE FREITAS é um entusiasta de narrativas transformadoras e acredita que histórias são vacinas da alma

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